O músico na ditadura
Olá pessoal.
Observo, nesses últimos tempos e com certa aflição, várias ações políticas que me fazem repensar a cada dia meu papel como RA e dos músicos em geral nos momentos de turbulência no país.
Sem tomar um partido ou outro, mesmo porque o blog SANTO ANGELO não pode fazê-lo pelo seu direcionamento à Educação Musical e ao Music Business, percebo esse momento dicotômico da sociedade como se fosse uma luta entre o bem e o mal, onde os nervos estão falando mais alto do que as mentes.
Por isso decidi relembrar um post que fiz em dezembro/2014 com intuito de que, para todos aqueles que nos acompanham, possam utilizar seu talento na música pela causa que defendem e relembrando a história brasileira recente para que a liberdade artística não seja retirada de nosso modo de vida.
Vejo manifestações acontecendo de todos os lados do país. Músicos como Lobão e Chico Buarque (cada um em seu extremo) utilizando suas vozes para mostrar opiniões e mobilizar pessoas em torno da causa mais adequada a cada um deles, num proselitismo quase religioso. Outros se abstém, ontem e hoje, de se posicionar na história, decisão que também precisa ser respeitada.
E por isso nos lembramos da importância de ser músico.
Revolucionários ou não, quem faz da arte das notas um ofício (ou mesmo um hobby) tem um poder fora do comum quando se tratam de mudanças e transformações sociais, além de econômicas com mais oportunidades para todos. Políticos não tem credibilidade, jornais geram desconfianças (os famosos discursos de “esse jornal é comprado pelo lado x ou y”), mas os músicos, esses sim, falam direto nos corações e nos cérebros das pessoas.
Esclarecemos que nosso compromisso com a Música e os músicos continua inalterado porque, interrompendo, podemos dizer, a “pacata” vida do músico hoje para falar de um assunto importantíssimo para a história do nosso país e as personagens musicais, como eu e você, envolvidas.
Releia e pense no que acontece hoje no Brasil.
—
Sabemos que os músicos, em sua maioria, são pessoas de cultura mais elevada, críticos e que defendem sempre a liberdade de expressão e pensamento. Graças a isso, muitos já sofreram em suas respectivas épocas, e na ditadura, casos como o de Geraldo Vandré e Gilberto Gil que amargaram o gosto da censura em suas obras por serem considerados “subversivos“ ao regime.
Criada em 2011 e finalmente instituída em 2012, a CNV (ou Comissão Nacional da Verdade) visou apurar crimes contra os Direitos Humanos entre 18 de setembro de 1946 até 5 de outubro de 1988, um período que os mais antenados na internet, sabem da existência mas não estiveram lá para sentir o que foi: o regime militar instaurado em 1964 e seu recrudescimento a partir do AI (Ato Institucional) No.5.
E nesse cenário, que não se restringe só ao passado visto que vemos pessoas pedindo a volta da ditadura (é só procurar no Google sobre pessoas que pedem a intervenção militar em 2016) em pleno século XXI, focamos na história de um músico, que sofreu a dura realidade da ditadura Argentina e o descaso da ditadura Brasileira: Francisco Tenório Cerqueira Junior, o Tenorinho.
Apesar de não ser um músico de tanto renome entre o público, Francisco, nascido no Rio de Janeiro, tinha lá a sua “fama” entre o círculo musical brasileiro. Começou sua vida na música no acordeão e no violão, passando no futuro para o piano. Chegou até cursar Medicina, mas largou para seguir uma carreira musical, como tantos de vocês fariam e fazemos.
Em 1976, estava em um circuito de apresentações com Vinicius de Moraes e Toquinho, passando pelo Uruguai e chegando até a Argentina. Nesse país, certa noite, deixou um bilhete na porta de Vinicius dizendo: “Vou sair para comer um sanduíche e comprar um remédio. Volto logo”.
No caminho, foi preso.
Considerado suspeito devido ao seu visual, com barba grande, cabelo cumprido e roupas diferentes das habituais que o deixava parecido com um líder terrorista Montonero, da resistência Argentina (parece o que vemos hoje, definindo se uma pessoa é boa ou má pela roupa que veste ou pela manifestação que está). Levado à delegacia, foi transferido com brevidade para o ESMA (Escola de Mecânica da Armada). O nome parece inofensivo, mas nesse quartel, quase 5.000 argentinos foram torturados e mortos durante o período de ditadura.
Desparecido, os músicos que o acompanhavam tentaram encontra-lo imediatamente, entrando em contato com o Brasil e perguntando em delegacias e hospitais, sem sucesso. Vinicius de Moraes descobriu onde ele estava e, como tinha sido diplomata, tentou libertá-lo, mas teve o pedido de Habeas-Corpus negado.
Uma semana após ser encarcerado, ocorreu o golpe na Argentina, onde o terror começou. Ninguém mais o encontrava e só conseguiram informações em 1986, 20 anos depois, no depoimento do funcionário do Serviço de Informação Naval e também torturador argentino, Cláudio Vallejos. Foi seviciado com uma técnica conhecida como “submarino”, que consiste em pendurar o preso de ponta cabeça, algemado, e o afundar na água até que respondesse as perguntas. Um detalhe: o músico não era ligado a nenhum tipo de movimento político, tanto brasileiro como estrangeiro, mas mesmo assim sofreu os efeitos de um regime de tirania e violência (como comentamos dos músicos que decidem não se posicionar, na introdução do post).
O governo argentino emitiu uma nota lamentando a morte para a embaixada brasileira, mas o regime militar da época nunca tomou a iniciativa em trazer o corpo de volta para o Brasil, deixando a família sem informações ou sem os restos mortais do músico.
E essa história foi apenas uma das milhares que aconteceram nesse período (e você pode saber muito mais, clicando aqui) no Brasil e nos países do chamado Cone Sul, mostrando que todas as classes profissionais foram atingidas. Os músicos, dado seu caráter contestador, foram perseguidos, se é que alguns ainda não são hoje, devido às suas convicções, como é o caso do movimento Punk (tanto musical como de comportamento) e o “recente” caso envolvendo a banda russa Pussy Riot (saiba mais clicando aqui).
Podemos atribuir aos músicos muito do que se conquistou em lutas contra regimes autoritários e tiranos (claro que outras profissões também fizeram a sua parte). Os protestos em forma de letras de Música, que às vezes podiam confundir os censores, ou mesmo a crítica escrachada à um regime ilegítimo, ajudaram a mobilizar a população de que muita coisa estava errada. A música de Geraldo Vandré (amigo de Tenorinho), “Pra não dizer que não falei das flores” foi considerada um chamado às ruas pelos ditadores brasileiros na época, sendo censurada para que o povo não se levantasse contra o regime. E com certeza você a conhece:
Tudo isso para dizer que hoje, apesar de todos os problemas que temos no país, podemos dizer que temos liberdade para falar, cantar ou tocar o que queremos. É só olharmos para a pluralidade musical do país, do funk popular à música erudita, todos têm direito à voz nesse momento, sem medo de represálias (em 2016 com um pouco de medo).
Com essa homenagem à memória do Tenorinho, conclamamos a todos que fazem música:
Nunca parem.
Expressem sempre as suas opiniões e coloquem todos os sentimentos nas canções que vocês compõem. Elas são um meio poderosíssimo de mudança, de emoção ou somente para contar uma história. Precisamos de mais Música, precisamos de mais Cultura.
Espero que tenham gostado de toda a carga histórica e emocional que esse post carrega, mas não poderíamos deixar de editá-lo neste início de 2016, com tudo o que pensamos ser certo para a comunidade musical.
Opine, critique, elogie e se posicione. Com diferentes visões e experiências, sempre evoluiremos, como músicos e como pessoas e como sociedade.
Até a próxima.
—
Dan Souza é CMO, Relações Artísticas, fissurado em tecnologia e música, além de baixista nas horas vagas e apaixonado por Publicidade, Propaganda, Literatura e Filosofia. Formado em Marketing pela UNINOVE/SP, faz parte, desde 2013, da equipe de Marketing SANTO ANGELO.