A obrigação contestadora de todo músico

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por Dan Hisa

Imagine a seguinte situação: no quarteirão da sua casa, tem um morador que, devido à sua crença religiosa ou política, destoa dos outros. A “comunidade” da quadra acha que ele é um “problema” para que a rua fique mais bonita ou mais segura no futuro. Dessa forma e baseada no preconceito, a vizinhança, ao invés de conversar, expulsam-no a força e o ameaçam de morte (junto à sua família). Agora, pegue essa situação e eleve à potência “N” para se tornar um país. E isso retorna não só aos judeus que foram exterminados pelos nazistas na II Guerra Mundial, mas também aos Armênios.

Hoje, 24 de abril de 2015, completa-se o centenário do Domingo Vermelho, quando o governo do Império Otomano durante a I Guerra Mundial, capturou cerca de 250 intelectuais e líderes armênio, dividiu-os em dois grupos, um deles sendo encarcerado (e mortos depois em um desfiladeiro perto da penitenciária) e o outro vivendo sob vigia. Porém, estima-se que os turcos, antes desse dia, já tinham exterminado cerca de 300 mil armênios, desde a época do Sultão Abdul-Hamid II.

O que você tem a ver com isso? Ora, o post de hoje traz um conceito há muito esquecido por aqueles que têm o dom da Musica: fazer de sua arte um libelo à Paz e Harmonia, local e mundial. Assim, não existe a Musica contestadora ou libertadora, mas músicos que se importam e criam musicas imortais. Mas voltemos a nossa história.

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Momento complicado para os armênios e uma mácula na história da humanidade. Alguns países reconhecem a culpa dos turcos, outros não (e o Brasil está entre os que não reconhecem). Mas 4 indivíduos, netos de sobreviventes desse massacre, resolveram não ficar se apequenando no silencio e se posicionaram politicamente (e com embasamento, o que está difícil de se ver hoje) nesse centenário.

E onde a Musica entra nessa história? Com certeza vocês conhecem a banda System of a Down. Formada por Serj Tankian, Daron Malakian, Shavo Odadjian e John Dolmayan, o SOAD (como é comumente conhecido), já é reconhecidamente uma banda engajada na crítica política e que nunca teve medo de colocar suas opiniões, por mais incômodas que fossem em suas letras.

Quem não lembra de B.Y.O.B. (a música do lalalala uhh uhh). Crítica ferrenha aos EUA durante a Guerra do Iraque, seu título significa “Bring Your Own Bombs” ou “Tragam Suas Próprias Bombas” em tradução livre. Nela, temos duas frases fortíssimas que são “Why don’t presidents fight the war?” (Por que os presidentes não lutam na guerra?), e “Why do they always send the poor” (Por que eles sempre enviam os pobres?). Se o interesse é político, por que mandar quem não tem nada a ver?

Demonstra que os grandes líderes veem as pessoas comuns como simples gado a ser exterminado. Pesado, não é?

Com base no extermínio de seus antepassados, eles compuseram duas músicas: “P.L.U.C.K.” (Politically Lying Unholy Cowardly Killers ou “Mentira, Politica, Não Divina, Matadores, Covardes”) e “Holy Montains”.

A primeira é uma composição que fala explicitamente sobre o que aconteceu durante o extermínio comandado pelo Sultão Abdul (que ficou conhecido como Sultão Vermelho) até culminar no dia 24 de abril. A música consegue passar bem a história e a mensagem sobre o que aconteceu e o quanto a destruição de uma nação é algo humanamente inaceitável.

Já “Holy Montains” fala para os invasores voltarem para suas terras, mencionando o Rio Aras, que é uma fronteira política e local onde foram encontrados inúmeros corpos de armênios mortos durante o genocídio.

E com todo esse engajamento político, eles lançaram a turnê #Wakeupthesouls (Acordem as almas, em tradução livre), em memória a esse centenário mórbido e histórico, culminando, pela primeira vez, em um show na Praça da República da capital Armênia.

Porém, não só o “System of a Down” tem esse viés político em suas letras. Rage Against the Machine, The Beatles e Patti Smith estão entre os artistas internacionais engajados. No Brasil, Geraldo Vandré, Legião Urbana e Titãs são alguns exemplos de quem usou a música como crítica e chamou a atenção de quem estava alheio.

Agora vocês podem perguntar: “ainda não entendi o que isso tem a ver comigo”.

Não temos a intenção de dizer que você precisa fazer música com uma crítica social e política todo o tempo, porém, quem tem o dom de tocar um instrumento musical e compor, precisa saber que a Música é um instrumento de poder imensurável. Ela mobiliza nações; muda a mente das pessoas; leva fatos desconhecidos a quem não entende os jornais e as notícias.

E além dessa mensagem, vamos sempre ter a história da humanidade ao nosso lado, para que nenhum dos erros já cometidos seja repetido. Assim como estudamos uma escala para não errá-la mais à frente na vida, estudemos esses fatos marcantes para nos posicionarmos e fazer parte da corrente humana e solidária para impedir possíveis atrocidades no futuro.

Leia, pense, questione, critique, mas embase suas próprias idéias sem a opinião dos outros. E defendendo sempre a Vida, estaremos usando nossa arte, a Música, como uma flor no cano da arma, impedindo o disparo.

Abraços!




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