As madeiras brasileiras
por Dr. Alexandre Berni
Em nosso post anterior, falamos sobre o trabalho fantástico do Laboratório de Produtos Florestais (LPF) vem fazendo para identificar madeiras de origem brasileira em substituição aos tipos mais comuns de madeiras utilizadas no hemisfério norte para fabricação de instrumentos musicais de cordas.
Você também aprendeu que a qualidade tonal que seu instrumento musical apresenta está diretamente ligada ao material utilizado em sua confecção, tanto madeiras como todos os seus demais complementos, ou sejam, colas, seladores, vernizes e tintas, além é claro depois de pronto, cordas, captação, tarraxas etc. Nesse post, vamos continuar o tema sobre o tipo de madeira mais adequado para fabricação de guitarras, como podemos acompanhar em milhares de discussões em Fóruns sobre a melhor escolha entre as opções disponíveis ou mais acessíveis (leia-se preços) de madeira.
Evidentemente que cada fabricante ou luthier tem sua preferência e que levam em conta a facilidade de obtenção de maneira regional e legal, considerando qualidade tonal, dureza e principalmente o seu custo.
Vale a pena lembrar que alguns tipos de madeira mais cobiçados no mundo estão por aqui, como é caso do Mogno (Swietenia macrophylla), Imbuia (Ocotea porosa) e as nobilíssimas Jacarandá da Bahia (Dalbergia nigra) e Pau Brasil (Caeselpina echinata). Entretanto, levando em conta a minha experiência pessoal, já construí instrumentos com as madeiras abaixo citadas e obtive ótimos resultados tonais e estéticos. São elas: Ipê, Marupá, Pau Ferro, Cedro-rosa, Pau Marfim, Roxinho, Freijó, Jatobá e Tauari.
Por que fiz essas escolhas? Porque cada madeira possui densidade própria e um tipo peculiar de distribuição das fibras internas. Estas características, bem como algumas outras, como produção de resina e o manuseio da arvore, corte das toras e secagem das pranchas são fundamentais para o timbre característico da madeira. Assim, o Timbre do instrumento será o resultado da composição das madeiras utilizadas em sua construção.
Antes de continuarmos, vale a pena uma pequena explicação sobre o crescimento das árvores, mais especificamente o crescimento radial do caule. Principalmente em plantas de clima temperado, com estações bem definidas e temperaturas medianas de 10º nos meses quentes e entre (-)3º e (-)18º nos meses frios, o sistema condutor do vegetal funciona de forma intermitente, entrando em um estado de hibernação no outono, e voltando à atividade na primavera. Antes do estado de hibernação, o vegetal forma uma camada externa de proteção mais espessa, denominada lenho primaveril ou lenho estival. Após este período, o vegetal volta a produzir tecido “por cima” deste lenho. Em corte radial, estes lenhos, produzidos ao longo dos anos, podem ser vistos como anéis, sendo que cada anel equivale a um ano de vida do vegetal.
No Brasil, onde o clima majoritariamente é o Subtropical Úmido, florescem outros tipos de espécimes diferentes dos países de clima Temperado. Isso não quer dizer que o acumulo de camadas no caule seja diferente, mas temos a umidade contribuindo de maneira diferente nesse processo. Assim, é muito importante a forma de corte da arvore e secagem das pranchas, como veremos a seguir.
Quando se derruba uma árvore, vários tipos de corte podem ser realizados no tronco. Entre eles, o corte plano e o radial.
Corte plano: é um corte que aproveita a totalidade do tronco em pranchas de madeira que incluem vários anéis de crescimento em diferentes proporções. Este corte pode deixar a madeira relativamente instável e sujeita à torção ao longo dos anos. É o tipo mais usado de corte por indústrias moveleiras.
Corte Radial: é um tipo de corte que sempre segue o raio do tronco, abrangendo todos os anéis anuais de forma homogênea. Este corte favorece muito a propagação do som pela madeira, pois abrange as fibras da madeira sem interrupções, ao contrário do anterior. Esta característica confere um Sustain infinitamente maior para o instrumento.
Outro processo muito importante e que vem em seguida ao corte das pranchas é a secagem, que pode ser tanto em estufas, ao ar livre ou uma combinação dos dois métodos. Na secagem ocorre a contração ou redução das dimensões longitudinal, tangencial e radial de uma peça de madeira, em conseqüência da diminuição do teor de umidade, quando a umidade da madeira atinge valores abaixo do ponto de saturação das fibras (PSF). De maneira geral, quanto menor a contração, mais estável dimensionalmente é a madeira. Para quem quiser saber mais, existe um ótimo documento preparado por Ricardo Faustino Teles que pode ser consultado nesse link.
Por fim, lembramos que a nobreza da madeira está intimamente ligada à competência do madeireiro em lidar com a árvore e acima de tudo, com a “arte” e a “habilidade” do luthier em transformá-la em instrumento musical.
Segue um breve resumo das madeiras brasileiras mais utilizadas atualmente na fabricação de guitarras:
CEDRO-ROSA: Madeira de peso médio-leve, coloração marrom-claro-rosado, de textura fina e suave ao toque, usada na construção de corpo maciço ou como base para top em outra madeira. Em alguns caso é usada na construção de braços, principalmente em acústicos.
PAU MARFIM: Madeira pesada de cor branco-palha-amarelado, usada na confecção de braços inteiros ou laminados e em escala onde se deseja uma aparência “vintage” (estilo Fender). Em corpos sólidos pode ser usado como top sobre outra base. Em instrumentos acústicos pode ser utilizada em braços, fundos, laterais e tampos, maciços ou laminados.
IMBUIA: Madeira moderadamente pesada, coloração variando de pardo-amarelado ao pardo-acastanhado escuro. Por suas características é utilizada em top para corpo de guitarra e baixo, além de proporcionar um excelente visual, permite equilibrar o instrumento quando usada com madeiras mais leves. Em acústicos, é utilizada em laterais, fundo e cavaletes.
IPÊ: Madeira muito pesada e dura ao corte de cor castanho, comumente usada na fabricação de escala, cavaletes e braços laminados, neste último caso adicionando maior resistência ao braço. Considerado pelo instituto soundwood o melhor substituto para o ébano.
MARUPÁ: Madeira leve de coloração amarelo-pálido, textura fina e moderadamente lisa. Usada na fabricação de corpos maciços ou como top. Uma variação muito utilizada é base em cedro-rosa ou mogno e top de marupá, o que proporciona um efeito visual bastante interessante. Também usada para tampo em instrumentos acústicos. Por ter os poros bastante abertos, exige maior detalhamento no acabamento.
FREIJÓ: Madeira de peso mediano para leve, de cor parda ou acastanhada, muito utilizada na construção de corpos maciços ou como base para top em outra madeira. Também é recomendada para tampos de instrumentos acústicos.
MOGNO: Madeira de peso moderado de coloração castanho-avermelhada e muito utilizada na construção de corpos maciços ou como base com top em outra madeira exótica. Também usada na construção de braços, geralmente em modelos Gibson e PRS. Em instrumentos acústicos é muito encontrada em braços, fundos e laterais.
ROXINHO: Madeira muito dura e compacta de alta resistência e tonalidade escura, tendendo ao roxo. Comumente usada na fabricação de escalas e braços laminados, neste caso adicionando maior resistência ao braço. Por sua coloração roxa é muito usada em instrumentos exóticos.
PAU-FERRO: Madeira de cor avermelhada com forte tom de castanho e extremamente dura e pesada. Comumente usada na construção de escalas e laterais e fundo em instrumentos acústicos.
JATOBÁ: Madeira muito dura, de coloração rosa-avermelhada, usada na construção de braços, como parte dos laminados, podendo ser intercalada com qualquer outra madeira.
TAUARI: Madeira de cor amarelada, podendo ser usada tanto para corpo quanto para braço. Muitos luthiers usam como opção ao maple importado.
Apesar de toda esta diversidade disponível em nossas florestas tropicais, só recentemente houve a preocupação de se estabelecer quais espécies são similares às tradicionais e quais outras as substituem ainda com vantagens. Além dos citados estudos de levantamento de espécimes brasileiras passiveis de serem utilizadas comercialmente feitos pelo citado Laboratório de Produtos Florestais (LPF) do nosso post anterior, outras análises foram feitas pelo IPT-USP além de pesquisa de equivalência por uma parceria entre FUNARTE – IBDF. E muitas iniciativas individuais por parte de vários luthiers têm sido realizadas, embora o músico consumidor do produto final resista em aceitar o instrumento feito com a madeira não tradicional.
Em minha opinião, o fator mais importante quando considerarmos qual madeira será utilizada, além de sua disponibilidade, é a “secagem” como já comentei anteriormente. No início dos meus trabalhos como luthier “hobbysta” eu usava um medidor de umidade de madeiras, considerando um valor aceitável entre 10% à 18% de umidade. É aconselhável que todas devem estar o mais secas possível antes de seu uso. Hoje em dia não preciso mais deste aparelho porque encontrei, próximo a minha cidade, um fornecedor que vende madeiras de ótima qualidade e específicas para construção de instrumentos musicais: Ronay Madeiras.
Muitos especialistas afirmam que a secagem em estufas não dá o mesmo resultado da secagem natural. Vale a pena lembrar que até mesmo o momento do corte da árvore faz diferença no resultado da madeira e alguns mitos curiosos sobrevivem ao passar do tempo. Os antigos madeireiros diziam, “para se obter madeira de boa qualidade, só se deve cortar as árvores nos meses sem R”. Ou seja, maio, junho, julho e agosto. Quando analisamos melhor verificamos que o que fundamenta esta crença é o fato deste período do ano ser o de menor precipitação pluviométrica (chuvas) em grande parte do Brasil.
Toda vez em que pensei em construir uma guitarra, o primeiro passo foi definir quais madeiras seriam usadas para a fabricação. Já construí instrumentos iguais e com a mesma captação que quando ficaram prontos acabaram “timbrando” de maneira ligeiramente diferente.
È importante sabermos que a “somatória” de tudo que constitui seu instrumento, , até materiais que você nem imagina, como cola e verniz, influenciam o resultado final do timbre que ele proporciona.
Vamos a um exemplo importante. Um braço de uma guitarra é constituído de no mínimo de 2 tipos de madeiras: o braço propriamente dito e a escala. Considerando que podem ser de madeiras diferentes, com tempos de “secagem” totalmente diferentes, unidas por cola e para sua finalização usamos seladores e muitas vezes verniz, fosco ou brilhante. Só neste exemplo você pode observar quantas variáveis temos a serem somadas para um braço de guitarra até sua finalização. E quando somados ao corpo do instrumento, que também pode ser constituído de 2 ou mais madeiras, já podemos imaginar a provável diversidade “timbrística”.
Por isso que eu sempre digo em meus posts: procure sempre ter um bom luthier ao seu lado quando precisar “melhorar” um instrumento.
Até a próxima.
Imagem de capa e corpos de guitarra: RDC Guitars
Parabéns pela matéria! Muito esclarecedora e interessante, o mais difícil de tudo hoje em dia é encontrar um “bom luthier” em que se possa confiar.
Rodrigo,
temos muitos bons profissionais no meio da luthieria no Brasil assim como em qualquer outra área. Sempre busque indicações do profissional que você encontrará alguém para confiar seus instrumentos.
Abraço.