Mitos e Verdades: o NUT influencia no timbre?
por Dr. Alexandre Berni
Hoje em dia, nos principais fóruns na internet, tanto nacionais como estrangeiros, existe um amplo debate de opiniões sobre vários assuntos que dizem respeito ao bom funcionamento de um instrumento musical de cordas, principalmente guitarras e baixos. Com o intuito de colaborar na formação de sua própria opinião sobre alguns deles, nesse primeiro post da série “Mitos e Verdades” vou abordar o tema “NUT” baseado em minha própria experiência lidando com essas pequenas peças na busca do meu timbre ideal. Concordando ou não com a minha opinião, leia todo o post para saber como embasei tecnicamente os meus comentários. Afinal, o blog SANTO ANGELO não é lugar de achismo, certo?
O “NUT”, também chamado de “pestana”, é responsável pelo ponto de apoio das cordas que “chegam” nas tarraxas passando sobre a escala do instrumento, partindo da ponte. É uma parte do instrumento de corda, pequeno e muitas vezes desprezado componente que pode modificar consideravelmente o desempenho do instrumento. Um NUT mal instalado ou adaptado de maneira incorreta pode gerar conseqüências desastrosas tais como: desafinações constantes, quebras de cordas, instabilidade e impossibilidade de regulagem das oitavas, sem contarmos o trastejamento por irregularidades proporcionadas por alteração da altura das cordas em relação à escala.
Os NUTS mais conhecidos e encontrados no mercado são:
NUT de Osso Bovino: Também conhecido como “bone”, foi o material mais utilizado historicamente nos instrumentos de corda. É um material com dureza considerável e seu desgaste é pequeno. Normalmente prendem um pouco as cordas e geram alguns estalos ao afinar, devendo ser lubrificados constantemente para melhor funcionamento. Esta lubrificação nunca foi bem difundida e será abordada mais adiante.
NUT de plástico: É encontrado na maioria das guitarras de custo baixo vendidas no mercado e geralmente pode ser comprado facilmente para reposição em lojas de instrumentos musicais sendo considerados como peças de reposição. Para que possam desempenhar sua função com mais eficiência, darei também algumas dicas mais a frente. Continue sua leitura.
NUT de Grafite: Alguns fabricantes observaram que guitar techs de guitarristas experientes usavam pó de grafite “in natura” ou oriundo de lápis ou lapiseiras no leito das cordas nos NUTS para melhor deslizamento. Por que não fabricar um NUT todo desse material? Pronto, estava inventado um NUT onde seu material principal era o Grafite. Com o passar dos anos esta peça foi ganhando muitos seguidores. Sua característica principal é diminuir consideravelmente o atrito das vibrações das cordas nos NUTS, mantendo a afinação do instrumento por mais tempo principalmente com músicos que exageram nos “Trêmulos e Bends”.
NUT de Latão (Liga de Cobre e Zinco): Para aqueles que gostam de acompanhar determinados guitarheros, vale a pena lembrar que o guitarrista Yngwie Malmsteen tem este tipo de nut instalado em muitas de suas guitarras. Particularmente eu nunca instalei um NUT deste material, mas dizem que apresenta pouco atrito com as cordas e uma mudança no timbre de forma “metalizada”. Vale a pena lembrar que determinadas mudanças no timbre deve ser observado com a corda solta e certamente com o “ouvido referencia”, portanto muito individual e subjetivo, sem comprovação técnica eficaz.
NUT de Corian: É um material híbrido feito de osso, caroços e plástico, com aspecto visual de um osso branco, boa densidade e dureza. Também tem sido utilizado para saddles de violão com captadores de contato do tipo Piezo apresentando boa resposta do contato magnético segundo os fabricantes. Eu nunca testei um para poder confirmar essas características.
NUT de Micarta: É um material sintético do “bone”, ou seja, osso sintético com um visual “fosco e amarelado” parecido com o Marfim (presas de elefantes). É um material bem maleável ao lixamento e ótimo para fabricar saddles para captadores tipo piezos. É muito utilizado, juntamente com o material anterior (Corian), pela empresa de violões Martin Guitars e outras conceituadas marcas de violões.
NUT de Marfin: Fabricado a partir da presa de elefantes, nem preciso dizer que é um material proibido mundialmente na fabricação de quaisquer itens, exceto de uso religioso na Índia e Tailândia. Portanto, é extremamente caro, e tem características técnicas semelhantes ao osso.
NUT de Madrepérola: Material natural de extrema densidade e visual muito bonito, são provenientes das conchas e usados para confecções de NUT´s de Banjos e Bandolins. Imaginem o preço…
Roller NUT: merecem uma citação à parte, sendo classificados como sub categoria dos NUT´s de Latão. Foi criado para de resolver alguns problemas que existiam com os NUT´s comuns, como diminuir o atrito e manter a afinação. Um dos primeiros protótipos lançados no mercado foi através da empresa Wilkinson na década de 70 e um guitarrista muito conhecido foi um dos pioneiros a utilizar e difundir o produto: Jeff Beck.
A criação realmente resolveu o problema de muitos guitarristas que passaram a ter mais estabilidade na afinação e o uso tranquilo da alavanca sem desafinar o instrumento rapidamente. O problema é que os Roller Nuts não suportavam grandes calibres de corda e normalmente paravam no 0.010. Outro fator negativo foi que com a pressão das cordas e o tempo de uso, faziam com que o eixo das roldanas se deformasse fazendo com que elas não girassem mais tão livres quanto antes, aumentando o atrito com as cordas.
A Fender, que já estava estabelecida no mercado na área de acessórios para guitarras, lançou em 1993 o seu próprio “NUT turbinado” que recebeu o nome Fender LSR Roller Nut. Com uma construção maciça em metal, a peça internamente agrega esferas de aço que “seguram” a corda e rodam dentro do compartimento quando a guitarra é tocada ou afinada. Essa peça, além de ser menor e mais bonita, resolveu o problema de calibres maiores, suportando cordas de 0.008 a 0.056. O problema do desgaste também foi resolvido. O desgaste é praticamente zero, uma vez que as esferas duram anos em um rolamento normal de uma máquina que faz milhares de giros por minuto. Basta pensar que para elas girarem tudo isso em uma guitarra seria preciso anos tocando ininterruptamente para começar a ter problemas com desgaste.
Agora que você já conhece ou relembrou os principais tipos de matérias primas de NUT´s mais encontrados nos instrumentos musicais até hoje, vamos aprofundar um pouco mais o nosso tema.
Minha experiência nunca me deixou preocupar apenas com o NUT em sí, pois ele é uma das partes integrantes para o bom funcionamento de um instrumento de cordas. Não adianta ter um NUT de ótima qualidade, “caro”, “lubrificado constantemente”, “timbre maravilhoso” (como dizem, totalmente ajustado ao tamanho das cordas, bem colado, etc) trabalhando em conjunto com tarraxas que não conseguem “segurar” a afinação, abaixadores de cordas (string retainer) ruins e pontes com trêmulos de baixa qualidade. Devemos considerar até mesmo a maneira como que o músico toca seu instrumento, exagerando nas “alavancadas” ou nos “bends”.
Para chegar a conclusão que realmente o NUT “desestabiliza” sua guitarra, a análise deve ser ampla, considerando o instrumento como um todo, e, em muitas vezes, a ajuda de um bom luthier ou um guitartech é fundamental para evitar gastar dinheiro desnecessariamente em peças que não irão resolver definitivamente o problema.
Atribuir ao NUT a mudança do timbre da guitarra, como tenho visto em alguns videos no YouTube, seria arriscar demais na minha opinião. Aliás, como já mencionei anteriormente, nem me preocupo muito com isso. Posso afirmar que já percebi uma mudança muito discreta, quando instalei rastilho de metal em um violão ao invés de osso ou plástico, aparentemente ocorrendo uma “metalização” do som. Assim tenho minhas dúvidas quando ouço alguém dizendo que há diferenças na troca do NUT, uma vez que para essa peça supostamente influenciar “audívelmente”, deveríamos considerar apenas as cordas soltas sendo tocadas, ou como alguns dizem traste zero, já que para os outros casos, o timbre sairá dos trastes que você tocar.
Assim, a característica mais importante a ser considerada no NUT é a sua capacidade de não “prender” a corda, comprometendo a afinação e o livre deslizamento durante as vibrações das notas. Dessa forma, o ajuste de altura é importantíssimo para uma boa regulagem das cordas e melhorar a tocabilidade. Para saber mais sobre essa regulagem, leia meu post sobre o assunto clicando aqui ou baixando gratuitamente o ebook “Regulagem de Guitarras” de minha autoria, cadastrando-se nesse link. Devemos considerar o “leito das cordas”, ou seja, uma corda com calibre maior deslizando em um NUT com seu leito não adaptado para este calibre da corda proporcionará mais atrito.
Na figura abaixo está demonstrado o que chamamos de “traste zero”. Trata-se de uma das maneiras de diminuir o atrito das cordas junto ao NUT. Isto só funciona se a região (berço) do NUT onde as cordas passam estiver maior que o diâmetro das cordas.
A outra maneira de usar o “traste zero” é transformar o nut apenas como guia das cordas em direção às tarraxas.
Outra tentativa em diminuir o atrito ocasionado pelas cordas é o uso de pó de Grafite, que pode ser encontrado em lojas de ferragens ou passando um lápis ou lapiseira no leito das cordas no NUT. Devemos tomar cuidado para não exageramos e deixar suja a escala como na figura abaixo. Percebam que o NUT é de osso, com berços adequados ao tamanho das cordas e lubrificado com Grafite.
Ao invés do pó de Grafite, o uso de óleos lubrificantes tanto no NUT quanto nos sadlles da ponte, estão ficando cada vez mais comuns. Muitos guitartechs estrangeiros utilizam seringas já carregadas com esses lubrificantes, como nas figuras abaixo. Note que somente uma gota é utilizada por berço, com a corda fora do NUT. Infelizmente, no Brasil, é difícil encontrarmos este material e seu preço pode ser acessível para aquisição através de lojas online especializadas no exterior.
Mas de nada adiantará a lubrificação dos berços se não fizermos o ajuste correto considerando o diâmetro das cordas. Como vimos, esse ajuste é importantíssimo para que a corda movimente-se com menos ou nenhum atrito. Veja na figura abaixo uma das situações ideais:
Alguns dos nossos leitores podem me perguntar se um leigo poderia fazer tais ajustes no NUT das suas guitarras. Eu respondo que SIM, se você conseguiu identificar que o NUT é o único responsável por alterações do seu instrumento e se sentir seguro para realizar este trabalho. Mas lembre-se que deve estar preparado para o que possa surgir como conseqüência e se ainda assim estiver inseguro, procure um luthier da sua confiança para fazer o ajuste. Ah, sente-se seguro para seguir adiante? Então fique tranqüilo e leia algumas dicas bem simples para se sair bem dessa tarefa. Vocêe vai precisar de uma pequena lima redonda, encontrada nas lojas de ferragens, para fazer esse ajuste.
O primeiro passo é adequar o diâmetro da corda ao diâmetro do respectivo leito no NUT. Se as alturas das cordas estão corretas, procure não limar em excesso, aprofundando demais o leito. Se fizer isso, essa corda poderá apresentar trastejamento. Neste ponto acredito que um musico inseguro ou inexperiente terá muita dificuldade na determinação do limite e relembro que nesse caso um luthier ou um guitartech serão necessários para o ajuste.
Para quem não pode contar com eles, minha dica é ajustar os berços com muito cuidado. Existem limas próprias (importadas) para este serviço, inclusive no diâmetro das cordas. No meu caso usarei uma lima diamantada comum apenas para a largura e não profundidade.
Para maior precisão existem limas específicas para nut no mercado que possuem o mesmo diâmetro das cordas, como na figura abaixo:
Após adequarmos o tamanho do leito para a corda no NUT, passaremos para a parte da lubrificação, que qualquer um conseguirá fazer. Devemos lubrificar para diminuir o atrito, certo? As maneiras mais simples e mais acessíveis além de adaptadas que conheço são:
1. Grafite:
2. Óleo lubrificante (extrato de limão utilizado na limpeza das escalas):
3. Óleo de lubrificação de válvulas de instrumentos de sopro:
Pronto, com o NUT ajustado e as cordas trabalhando livreemente, você já tem base para emitir sobre própria opinião sobre qual NUT é o mais apropriado para seu estilo de tocar e para o seu instrumento musical.
Concluindo, quero dizer que para “fatos não há argumentos”. Se por acaso surgir uma oportunidade para você opinar sobre as alterações das frequências ligadas ao material que o NUT é feito, considere que deverão ser adaptados, em uma mesma guitarra, todos os tipos dessa peça e, com o som de uma corda solta, verificar se há alterações de frequências através de um analisador de espectro de áudio, sem espaço para achismos. O ouvido humano é muito complexo e algumas alterações que possam ser percebidas por uma pessoa, podem não ser para outra. E com esses conhecimentos, você se torna um consumidor mais preparado e não vai cair em qualquer “historinha”. E fique ligado nessa semana que falaremos à todos os consumidores, seus direitos, obrigação e o quanto vocês são importantes para nós.
Como regra geral, acredito que uma guitarra, que tenha boas tarraxas, ponte, cordas e o NUT bem ajustado e lubrificado, associado a uma boa regulagem e plugada num cabo SANTO ANGELO lhe trará ótimos resultados. Aproveite tudo que aprendeu e compartilhe com suas amigos que querem deixar suas guitarras tinindo.
Um grande abraço e até a próxima.
Vocês estão de parabéns com essa serie “faça voce mesmo” adorei os pedais espero que surgem mais !!!!
Um simples seria um fuzz com um transistor , um diodo, um resistor e dois capacitores!!!
Apenas uma dica Valeu continuem com esse Ótimo trabalho!!!!
Uma maneira de regular os sulcos do nut (e bem mais barata que as limas da stewmac) é usar agulhas de limpeza de bico de maçarico. Elas tem o calibre exato, e o kit custa pouco mais de 10 reais. Duram bastante, são bem duras (dá pra lixar por um bom tempo), e são redondas, o que significa que o sulco já fica perfilado. Assisti alguém fazendo isso no youtube e testei em casa moldando um nut de micarta e outro de osso bovino. Vale muito a pena!
Cacilda, parabéns pela matéria bem explicativa e útil!
Várias informações que vou guardar, vou até salvar a página!
Valeu Evandro. Esperamos que a matéria sempre lhe seja útil.
Um abraço e agradecemos pela leitura.
Bacana demais o tópico..Eu irei fazer o trabalho de conclusão do meu curso (engenharia mecânica) estudando esse assunto e verificando se realmente o nut e rastilho influenciam a vibração da madeira e o timbre do instrumento.
Fiz os testes em laboratório e avaliação psicoacústica de áudios gravados com 5 tipos de material de pretenda e rastilho e posso afirmar pra vcs q do ponto de vista físico existe sim a mudança de timbre..o interessante eh q os melhores materiais para se ter harmônicos mais fortes varia para cada calibre de corda.. Para as duas mais grossas, um material eh melhor.. Para as duas do meio, um outro material e para as duas mais finas um terceiro..
pretenda = pestana ***foi o corretor que corrigiu pra pretenda kkkk
Uma sugestão! Falar sobre nut e rastilho em ébano. Quais as características, onde vivem, o que comem, como se reproduzem…