Criatividade de raiz interiorana.

por Dan Hisa

Cansou dos nossos posts anteriores sobre Criatividade? Esperamos que não, porque é quase impossível esgotar o tema, uma vez que podemos subdividi-lo em várias vertentes. Ainda mais quando falamos de Música e das suas raízes, quando se fundem várias tendências, sentimentos e limitações humanas.

Outro dia falamos sobre a Sociabilidade aqui no blog e como você, para se dar bem na profissão de músico ou musica, precisa se relacionar bem com muita gente, evitando, às vezes, os conflitos  e desgastes pessoais de relacionamento principalmente quando surgem dentro da banda.

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Mas e se ao invés de uma banda ou grupo maior, você formou uma dupla: as questões ficaram mais fáceis de serem resolvidas?

Então, pensando em duplas e criatividade musical, não poderíamos deixar passar a questão da Música Caipira, sem confundi-la com o atual Sertanejo e suas variações.

Criada ao redor de 1910, a Música (ou Modas, Toadas, Catiras, Cateretês) Caipira é prova de que a Criatividade pode advir de qualquer lugar ou situação. Mas cuidado! Não confunda a Musica Caipira com o desenvolvimento do instrumento musical “Viola” que tem suas origens na Península Ibérica e que foi introduzida no Brasil pelos padres jesuítas no século XVI. Eles a usavam nas catequeses, cuja pedagogia utilizava muita música e dança nas suas missas, sendo a viola utilizada durante o coro e nas músicas cantadas pelos índios.

Dessa prática, reforçando e adaptando danças como as citadas Catira e Cateretê, surgiu o uso da viola nas festas religiosas, como Santa Cruz, São Gonçalo, São João e posteriormente nas Folias de Reis. Espalhadas pelos tropeiros através dos caminhos do sertão adentro, nos pousos e ranchos, embriões de futuras vilas e cidades, a Viola foi adotada pelo caipira, o homem do mato, que a fazia rudimentar, para ter algo para distraí-lo na solidão dos grotões.

Com a viola sendo seu instrumento prioritário, o caipira falava, basicamente do modo de vida que levava, das paisagens pelas quais o músico da época passava (apesar de trabalhar na roça, também devemos considerá-los músicos e parte importante de nossa cultura) e a felicidade de encontrar terra fértil, clima ameno e água em abundância.

Cornélio Pires, em seu livro “Conversas ao pé do Fogo” caracterizou o estilo por “suas letras românticas, por um canto triste que comove e lembra as típicas historias do sertão“. Começava ai uma história de transformações para chegar aos dias de hoje como o estilo de música mais ouvida no país (vide Pesquisa IBOPE “Tribos Musicais”).

A moda de Viola se desenvolve nesse meio, com letras gigantescas sem refrão e espaço para solos “ad infinitum” dos violeiros. Inicialmente o estilo começou com o formato de duplas, com a utilização de violas e dueto vocal. Esta tradição segue até os dias atuais, tendo a dupla geralmente caracterizada por cantores com voz tenor (mais aguda), nasal e uso acentuado de um falsete típico. Enquanto o estilo vocal manteve-se relativamente estável ao longo das décadas, o ritmo, a instrumentação e o contorno melódico e temático (do rural ao urbano) incorporaram, aos poucos, outros elementos.

Destacaram-se inicialmente, entre as duplas pioneiras nas gravações em disco de vinil: Zico Dias e Ferrinho, Laureano e Soares, Mandi e Sorocaba e Mariano e Caçula. Foram as primeiras duplas a cantar principalmente as chamadas modas de viola, de temática principalmente ligada à realidade cotidiana – casos de “A Revolução Getúlio Vargas” e “A Morte de João Pessoa”, composições gravadas pelo duo Zico Dias e Ferrinho, em 1930, e “A Crise” e “A Carestia”, modas de viola gravadas por Mandi e Sorocabinha, em 1934.

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Após a 2ª Guerra Mundial, as mudanças se acentuaram. As letras, anteriormente baseadas na vida simples começaram a incorporar outros temas mais urbanos, como romances e o clima político. Os duetos de voz foram se aperfeiçoando, inserindo até estilos tipo “mariachi” e foram adicionados outros instrumentos. Inezita Barroso é uma representante muito fiel dessa fase.

Na terceira fase da evolução da Música Caipira, já se tornando o sertanejo que conhecemos hoje, a guitarra entra em cena e os circos e rodeios começam a receber os músicos sertanejos com mais frequência e até abrindo espaço para aparições em rádios locais.

Por fim, com mais incorporações e mantendo a estrutura simples, transformou-se no que ouvimos hoje.

Vocês podem até nos perguntar: “mas o que a história do sertanejo tem a ver com criatividade?”. Respondemos: tudo.

Preste atenção às inovações que o estilo trouxe:

1. Tornar situações de um cotidiano sofrido, mas alegre, em música.

2. Usar descrições de paisagens como temas musicais (o que, se você tiver um bom vocabulário, é até fácil).

3. Incorporar sentimentos como o Amor nas letras.

4. Abusar de outros ritmos para melhorar as vocalizações da música.

5. Adicionar novos instrumentos dando maior possibilidade melódica para o estilo.

6. Tocar em espetáculos circenses (o rodeio até que tinha a ver).

Esses seis tópicos mostram que, às vezes, a Criatividade pode nascer de fontes bem simples e que a raiz musical de nosso país é a prova viva (pois a música é viva) disso.

Convencido? Então vamos a um desafio para vocês e seus cérebros.

Tentem fazer uma letra de música (não precisa do arranjo caipira) utilizando uma situação do seu cotidiano (pode ser até uma não tão comum) ou uma paisagem (olhe pela janela e descreva, rimando, o que você vê). É mais uma forma de fazer seu cérebro trabalhar a seu favor na hora de criar.

Gostaríamos que você opinasse, elogiasse ou mesmo nos criticasse nos comentários (pode ser no blog ou no Facebook). O espaço aqui livre e realmente queremos que compartilhem outros conhecimentos e dicas para que todos possamos aprender mais e juntos.

Até a próxima.


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