Salve a seleção, salve a canção!

por Isis Mastromano Correia

Nunca uma dupla deu tão certo e entrou tão entrosada em campo quanto a Música e o Futebol. Jogadores que se aventuraram como cantores ou que foram fonte de inspiração para canções, músicas que falam da arte de jogar bola, os hinos das torcidas, o pagode dos brasileiros na concentração, os fones de ouvido gigantescos que quase fazem parte do uniforme atual dos atletas: no futebol, definitivamente tudo termina em samba, mas, também em Rock, Funk, Rap, Eletrônica, Clássica, …

A Música entrou oficialmente como ingrediente obrigatório do campeonato mundial de seleções de 1962, quando a FIFA (Federação internacional de Futebol Associado) estabeleceu que todas as edições da Copa do Mundo teriam seu próprio hino. Naquele ano, enquanto a bola rolava no país sede da competição, o Chile, a banda “Los Ramblers” foi a encarregada de agitar o público com “El Rock del Mundial”, escolhida como tema daquele ano. Cá entre nós, mesmo sendo a estreante no rol dos hinos e passados tantos anos, ainda é uma das músicas mais bacanas da história dos Mundiais.

Os roqueiros aproveitaram a euforia do público com os jogos para produzir uma canção temática que exaltasse o futebol. O negócio é que ela fez tanto sucesso que a FIFA decidiu adotá-la como hino oficial do torneio daquele ano e foi assim que surgiu a tradição de uma música assumir o posto de tema a cada evento.

Los Ramblers – El Rock Del Mundial – Copa do Chile 1962

Acompanhar a evolução das canções oficiais dos Mundiais é ter um verdadeiro extrato da movimentação musical a cada quatro anos. Não é a toa que o hino da copa de 62 é um Rock´n´Roll: ele é o reflexo da efervescência que o gênero experimentava nos anos 1960 em todo o mundo com os “Beatles”, “Stones” e a turma do Festival de Woodstock como porta-vozes.

Pra fechar a década mais roqueira de todas as Copas, em 1966, o campeonato aconteceu no melhor dos cenários tanto para a bola quanto para o ritmo. A Inglaterra, berço do Futebol e do Rock, sediou o Mundial ao som de “World Cup Willie (Were in This World are We Going)”, na voz de Lonnie Donegan, um dos percussores do Rock´n´Roll e declarada influência de bandas como The Who, The Kinks e The Yardbirds. Ah, o Willie, que dá nome a música, era um leãozinho inglês, primo de quarto grau do nosso tatu-bola “Fuleco”. Aliás, os ingleses incluíram a figura das mascotes na Copa.

Em 1966, o Brasil voltou cedo pra casa, mas, respirou por alguns dias o mesmo ar de John, Paul, George e Ringo e, para muitos, nunca o melhor do Futebol e da Música estiveram tão próximos.

Lonnie  Donegan, que cantou o tema da Copa da Inglaterra em 1966
Lonnie Donegan, que cantou o tema da Copa da Inglaterra em 1966

Lonnie Donegan – World Cup Willy – Copa da Inglaterra 1966


Em 1970 houve uma guinada musical no som das Copas. O campeonato do México, que consagrou o Brasil como tricampeão graças a uma constelação de craques como Pelé, Carlos Alberto Torres e Rivelino, foi embalado pela canção mais popular do imaginário nacional quando o assunto é seleção. “Pra Frente Brasil”, composta pelo trombonista Raul de Souza e pelo letrista Miguel Gustavo.

A canção, nascida em tempos difíceis do regime militar e até bastante ufanista, foi a primeira composição em língua portuguesa admitida pela FIFA como hino oficial do Mundial. Segundo Raul de Souza em entrevista ao Jornal do Brasil em 2002, o hino foi gravado em um estúdio com orquestra da Rádio Globo e sua origem foi um concurso com premiação de dez mil cruzeiros organizado por várias empresas entre elas a própria emissora. Em 2002, o tema ganhou uma versão Heavy Metal pelas mãos da banda Angra.

 Raul de Souza & Miguel Gustavo – Pra Frente Brasil – Copa do México 1970


Demoraram outras 11 Copas para retornarmos com nosso idioma pra dentro dos gramados e isso só ocorreu, claro, graças a Copa acontecer em nosso próprio quintal. Porém, agora, sob os efeitos da cultura de massa, quem está à frente do tema “We Are One” é o rapper americano Pitbull. Nosso português só aparece mesmo muitos minutos adiante na música na voz de Claudia Leitte, a figura escolhida para representar musicalmente nosso país na canção (o fato do idioma local não ser a estrela da música foi tema de grande controvérsia entre africanos que, na Copa passada, tiveram de rebolar no Inglês para acompanhar sua canção).

De forte apelo popular, a letra fala da alegria das torcidas (“Show the world where you´re from”), mas derrapa forte no trecho em português sobre como os estrangeiros enxergam nosso “jeitinho brasileiro” (“Não importa o resultado, vamos extravasar”).

Novamente nos deparamos com um retrato fiel do mercado musical refletido dentro de campo: da metade na década de 1990 pra cá, os interpretes dos hinos são figuras populares reconhecidas mundialmente, como Ricky Martin e Shakira. Aliás, os dois se tornaram sumidades indiscutíveis quando o assunto é a música oficial das Copas. É da colombiana o hit “Waka Waka (This Time For Africa)”, tema da Copa de 2010 na África do Sul.

“Waka Waka” é considerada a música de maior sucesso das Copas até hoje e, mais do que só embalar a competição, virou um grande sucesso do repertório de Shakira. A Música é uma adaptação da canção “Tsamina” ou “Zangaéwa”, do grupo camaronês Gold Songs, de 1986. “Waka Waka” atingiu o primeiro lugar em 32 países e vendeu cerca de 9,5 milhões de cópias sendo um dos singles mais exitosos da era digital. Seu vídeo foi visualizado mais de 530 milhões de vezes! 

Waka Waka – Shakira – Copa da África do Sul 2010

Outra curiosidade é que as canções da Copa passaram a ter tanto destaque, que, do campeonato de 1998, na França, para cá, a FIFA admite pelo menos três músicas como oficiais. Assim, na nossa Copa tupiniquim, Shakira retorna com “La, La, La”, segunda canção do evento com versões em português, inglês e espanhol e que conta com a participação de Carlinhos Brown.

E se a letra da nossa atual “We Are One” desperta alguma desconfiança, o que se segue em “La, La, La” pode decepcionar ainda mais o fã de futebol. O tema em nada tem a ver com o campeonato e muito menos com os povos e é, na verdade, uma declaração de amor ao companheiro de Shakira, o jogador espanhol Gerard Piqué (“seus olhos azuis e espanhóis são minhas testemunhas”). Reflexos do mercado musical …

La, La, La – Shakira & Carlinhos Brown – Copa Brasil 2014

A força da música para além da própria Copa se mostrou em “La Copa de La Vida”, de 1998, interpretada por Ricky Martin, e que ganhou todas as rádios como uma canção popular. A obra foi curiosamente composta por Robi Rosa, companheiro do porto riquenho em seu seminal Menudo. Quinze anos depois, Ricky ainda é requisitado pelo púbico a cantar a canção daquele Mundial.

La Copa de La Vida – Ricky Martin – Copa França 1998

No mundial de 1982 na Espanha, Plácido Domingo emprestou a voz ao tema oficial batizado de “Mundial 82”. A voz do cantor fez sucesso e, em, 1990, na Itália, ele ressurgiu a convite da FIFA, dessa vez não para a canção oficial, mas, para um show da Copa ao lado de José Carreras e Luciano Pavarotti. Da tabela Futebol e Música nasceu a marca “Os Três Tenores”, um dos o maiores sucessos de vendas de Música Clássica da era moderna.

O Inglês e o Espanhol são disparadamente os idiomas mais usados nos temas oficiais ao longo de 14 Copas do Mundo que incluíram uma música oficial, porém, outras línguas – e algumas até bem improváveis – deram o ar da graça como o Polonês em “Futbol”, na Copa de 1974 e o Castelhano na canção “Anthem”, da Copa de 1978 na Argentina.

Tiveram ainda canções em Italiano, da Copa de 1990 na própria Itália com a canção “Un´estate, italiana”, o Japonês e Coreano, em 2002, na Copa dividida entre os dois países com a música “Let´s Get Together Now”, o idioma Bambara (língua falada em países como Burkina Faso, Guiné e Senegal) para a música “Zeit Dass Sich Was Dreht (Celebrate The Day)”, da Copa da Alemanha, em 2006, e o Fang (língua de um dos povos africanos), em Waka Waka, da Copa da África do Sul.

Ficaram sem passear por outros idiomas as canções “A Special Kind of Hero” (México 1986) e “Gloryland” (Estados Unidos, 1994). Ah, menção honrosa para outra “Anthem”, dessa vez, de 2002, tocada pelo grego mestre dos estilos neoclássico e progressivo Vangelis.

Não foi a primeira vez que Vangelis emplacou uma canção no ramo dos esportes. É dele a “Música da Maratona”, ou melhor, “Chariots of Fire”, adotada como o tema de todos os maratonistas do mundo (panan na na na nam … !). Bacana mesmo é que no clipe de “Chariots of Fire”, Vangelis surge nada esportista baforando fortemente um cigarro enquanto o pessoal corre!

A nossa Copa no Brasil conta com quatro temas oficiais todos com versões em inglês, espanhol e português além de “We Are One”, interpretada por Pitbull, Claudia Leitte, Jennifer Lopez e Olodum e “La, La, La”, com Shakira e Carlinhos Brown, temos ainda “Dar Um Jeito (We Will Find a Way)”, por Carlos Santana, Wycleaf Jean, Avicii e Alexandre Pires e “Tatu Bom de Bola”, de Arlindo Cruz e única exclusivamente em português.

We Are One – Pitbull & Claudia Leitte – Copa do Brasil 2014

Ficou curioso para saber mais sobre a relação da Música com o Futebol? Calma, porque enquanto nosso próximo post não sai do forno, você pode se aventurar na nossa dica de leitura. O livro “Futebol no País da Música”, de Beto Xavier (Panda Books). É um documento superinteressante para os amantes dos sons que têm como tema o Futebol. Tem ainda o “A Presença do Futebol na Música Popular Brasileira”, de Assis Angelo (Editora Assis Angelo), que traz uma retrospectiva em torno do assunto.

Vamos nos encontramos novamente para falar mais do assunto depois do jogo de estreia entre Brasil e Croácia! Haja coração, torcida brasileira!

Até lá!

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